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quinta-feira, 19 de agosto de 2010

MIL - Conto nº 03 - loucuras incontaveis


MIL



                             No dia em que meu pai me comeu, eu o comi também. Devorei-o inteiro; e levo a vida toda digerindo-o. No momento em que seu descomunal cacete rasgou minha boceta seca, eu senti a dor de possui-lo em minhas mãos. Sua respiração penosa contava-me mais segredos do que imaginaria. Era náusea, vertigem, sangue e outras secreções santas e imundas. Eram minhas lágrimas num rosto sem som, nem cor.
                             Não esqueço seu olhar. Sim; ele teve coragem de olhar pra min. Nada no mundo me foi mais revelador do que aquele rosto bobo e grotesco olhando pra min. Ele dizia – Eu te amo- e – Sinto muito-. E eu sabia o quanto estava sendo sincero; era exatamente isso: amor e culpa; muito amor e muita culpa. Ai! Aquele rosto espelho!
                             O maior desejo do 999 é virar 1000. A cada doce e dolorida estocada, eu sentia que estava virando o meu contador. Seus braços fortes não me davam chance de defesa. Estava crucificada. Meu algoz enfiava-me um prego de 20 cm em minha racha. Estava colada a minha cruz-cama. Deus, perdoe, porque ele sabe o que faz.
                             No momento não sabia o que fazer com tanta matéria sentimental vinda daquele homem que achava que conhecia desde que nasci. Ele era todo meu; um inocente e frágil filhodaputa-nojento. Na hora do clímax eu entendi a razão da eternidade, a lógica do tudo se encaixa. 10 segundos eternos e piscadólhicos. Fui inundada por luz e não luz. É impossível reproduzir com linguagem. Até o vasto silêncio seria pequeno.
                             Nada foi igual aquilo. Nada foi igual depois disso. Morte ou vida? Os dois e nem um nem outro.
                             Vestiu a roupa, usou gazes para estancar a hemorragia. Lavou-me, enxugou-me; tudo com uma amável e cretina paciência. Trocou os lençóis da cama; pegou-me nos braços musculosos, deitou-me, cobriu-me, apagou a luz do abajur e com seus bigodes sujos, beijou-me carinhosamente, como eu tanto gosto, dizendo - Durma bem, meu anjo-. - Boa noite papaizinho-. Respondi. E fechou a porta com cuidado, indo embora. Como filha exemplar que sou; obedeci, dormindo bem naquela noite.

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